Especialista em reprodução discute o impacto da idade na fertilidade masculina e no risco de condições que podem afetar os filhos, caso do autismo
No começo do século 20, a paternidade e a maternidade eram mais comuns na segunda década de vida. Famílias eram formadas por pais jovens, nos seus 20 anos ou até antes disso. Mas esse quadro mudou: a evolução socioeconômica propiciou à população viver mais e envelhecer, o que não só ampliou a expectativa de vida ao redor do mundo (sobretudo em países desenvolvidos) como, nas últimas décadas, propiciou um adiamento na paternidade e na constituição da família.
Sabíamos que o tempo é muito importante para a maternidade, uma vez que a mulher tem uma diminuição da capacidade reprodutiva com o passar dos anos até perdê-la na menopausa. Também já tínhamos consciência de que a maternidade tardia está associada a algumas doenças e ao crescimento no número de crianças com síndrome de Down, por exemplo.
Esse conceito não existia para a paternidade. Havia a impressão de que a idade do pai não teria reflexo sobre a fertilidade ou o risco de problemas na prole. Porém, hoje contamos com evidências de que esperar para ser pai também tem suas consequências. Estudos epidemiológicos revelam que, após os 40 anos de idade, a qualidade do sêmen piora e o tempo para obter a gestação aumenta significativamente em relação ao dos homens mais jovens.
Conexão com autismo e doenças psiquiátricas
Além da maior dificuldade em ser pai, a ciência aponta uma relação entre uma maior idade paterna e o aumento da incidência, nos filhos, de esquizofrenia e doenças do espectro autista, condições caracterizadas por atrasos no desenvolvimento cognitivo e psicossocial que possuem origem genética.]]
Os genes explicam?
Podemos ter uma explicação genética para a maior ocorrência dessas doenças baseada no processo de produção dos espermatozoides (a espermatogênese). Os espermatozoides são produzidos diariamente a partir de uma célula germinativa chamada espermatogônia. Espermatogônias replicam-se a cada 16 dias, resultando em 200 divisões aos 20 anos e atingindo 660 aos 40 anos.
A cada divisão, o genoma celular é copiado e, nesse processo, pode ocorrer um erro, capaz de ser transmitido para a próxima geração. Estima-se que aos 20 anos o homem passe ao filho 25 dessas mutações (as falhas nas cópias dos genes) e esse número suba para 65 aos 40 anos.
Todos esses dados e estudos atestam os riscos de se adiar demais a paternidade, mas é preciso esclarecer que não é somente a idade que interfere na origem dessas doenças. Os problemas e defeitos de nascimento envolvendo uma idade paterna mais avançada dependem de uma equação complexa que ainda engloba a função sexual, o estilo de vida, alterações hormonais e outras questões genéticas.
Certamente, com o avanço das pesquisas, teremos mais informações sobre o assunto no futuro, mas já fica o alerta para os homens e os profissionais de saúde. A preocupação com a idade não deve ficar restrita a um só lado do casal.
* Dr. Marcelo Vieira é urologista e coordenador da Área de Reprodução da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU)