Antioxidantes, hormônios e tantos outros tratamentos estão à venda com a promessa de bloquear os efeitos do tempo sobre o corpo e a mente. Por enquanto, nenhum deles tem tais efeitos comprovados pela ciência. Tal como um dia após o outro, o envelhecimento é inexorável, trazendo com ele alterações físicas e mentais. E, embora ainda não seja possível retardá-lo, há uma boa notícia: o acompanhamento geriátrico tem tudo para prolongar, por muitos anos, a saúde, o bem-estar, a autonomia e uma vida mais produtiva.
“O envelhecimento não é doença, mas uma fase da vida. E envelhecer ainda é a melhor opção nesse plano de vida possível”, diz o geriatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Clineu Almada Filho. “Nessa fase surgem alterações acentuadas que comprometem a funcionalidade e a capacidade da pessoa, com perda da autonomia, tornando-a dependente de cuidados.” Segundo o especialista, mesmo em boas condições de saúde, 90% da população a partir dos 60 anos tem alguma doença associada; 40% a 60% sofre de pressão alta – e apenas 20% a controla de maneira adequada; e 25% é diabética, com maiores riscos de um infarto ou acidente vascular cerebral, o derrame. Sem contar a depressão, que, como as demais, limita a qualidade de vida
Da mesma maneira que as crianças são tratadas pelo pediatra e os adultos pelo clínico geral, as pessoas com mais de 60 anos devem ser acompanhadas pelo geriatra. Trata-se, portanto, de uma especialidade clínica que assiste o paciente de maneira global, com abordagem ampla, porém diferenciada: utiliza ferramentas e escalas específicas para essa faixa etária, como aquelas para avaliar a memória, por exemplo, na abordagem do mal de Alzheimer. A doença, ainda incurável, é a principal causa de demência em todo o mundo, prejudicando funções mentais como memória, raciocínio, percepção, atenção e o comportamento.
Cabe a esses especialistas diagnosticar situações que aparecem ou se agravam com o envelhecimento. Ou seja, manter a integridade funcional do organismo do idoso. O geriatra tanto trata as sequelas de um derrame, por exemplo, como trabalha para evitar o surgimento de problemas. Sua formação engloba dez anos de estudos. E não substitui os demais especialistas, mesmo capacitado para acompanhar a pressão alta, o diabetes, problemas vasculares, reumatismo e tantos outros. “O que ele faz é monitorar bem essas doenças que acompanham o envelhecimento, concentrando o tratamento”, diz a geriatra Maisa Kairalla, diretora da seção paulista da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). “Mas o idoso, em geral, dificilmente terá à disposição todos os especialistas para os problemas que o afetam.”
Como a avaliação da saúde e das queixas do paciente é ampla, o médico precisa dedicar mais tempo a essas consultas. Segundo Maisa, vários aspectos são avaliados, como a visão do paciente, a memória, estado psicológico, calendário de vacinas, além de ouvir atentamente suas queixas, que nunca é uma só. “É um atendimento que precisa ser feito com calma, com atenção, porque o paciente deve ser visto como um todo, e não como parte de uma doença, ou uma doença. E é isso que o paciente e seus familiares devem observar. Têm de prestar atenção no quanto esse médico está preocupado com essa avaliação ampla, engajado no tratamento de maneira holística, integral”, diz.
“Não é consulta para ser feita em 20 minutos, como pede o Sistema Único de Saúde. Tem de ter no mínimo 30 minutos, embora o tempo ideal seja 40 minutos”, completa o médico e gerontologista Rogério Clóvis de Oliveira, consultor do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe). “Apesar de alguns pacientes terem de retornar mais cedo ao consultório, todo idoso deve ir ao geriatra pelo menos uma vez a cada seis meses.” Segundo Rogério, o envelhecimento exacerba os hábitos e manias das pessoas. Por isso a relação médico-paciente tem de ser bem estabelecida desde o início. “O médico deve estabelecê-la de maneira consensual, tranquila, para contornar a complexidade das doenças que envolvem o envelhecimento, os sentimentos, heranças, interesses pessoais e familiares”, diz.
Quando ir
É a partir dos 60 anos, quando passa a ser considerada idosa – mesmo que ainda não se sinta ou não pareça “velha” –, que a pessoa deve procurar esse médico. Almada lamenta que, ao contrário dos pacientes ambulatoriais, bem mais informados, a maioria dos que recorrem aos hospitais procura o serviço para tratar sequelas e complicações. “Dos idosos que vêm ao ambulatório de longevidade aqui na universidade, metade busca a prevenção de males e uma vida mais saudável”, diz.
Entretanto, nem sempre é fácil conseguir marcar uma consulta. Diretora de Aposentados da Federação dos Bancários de São Paulo (Fetec/CUT-SP), Maria da Glória Abdo, 75 anos, reclama da carência desses profissionais no serviço público e privado. Segundo ela, os aposentados são de uma geração que não teve à disposição medicina preventiva contra doenças do trabalho, como lesão por esforço repetitivo (LER) e estresse, que já existiam sem que se soubesse. “Não contávamos com móveis e equipamentos ergonômicos. As máquinas eram pesadas, barulhentas, de difícil manuseio. A isso se somavam atividades domésticas cansativas, para as quais as máquinas ainda não eram acessíveis a todos os trabalhadores”, lembra. “E hoje que temos as doenças acumuladas com o tempo, mais a depressão e outros problemas que chegam com a aposentadoria, faltam especialistas para nos atender. Não temos sequer médicos para orientar sobre o uso do Viagra, da camisinha, de lubrificantes vaginais.”
Para Glória, a questão tem de ser debatida no Brasil, onde falta vontade política para o atendimento. “A lei garante ao idoso o atendimento prioritário. Mas quando o assunto é saúde faltam médicos especializados em envelhecimento”, reclama, lembrando que em Cuba, país que visitou recentemente, sobram geriatras. Segundo ela, nos asilos em que esteve havia pelo menos um especialista em cada turno.
Há alguns anos, o aposentado Arnaldo Muchon, 83 anos, frequentava o consultório de uma geriatra credenciada pelo seu plano de saúde. Com a saída da médica, ele e sua mulher ficaram somente com o acompanhamento de especialistas em cardiologia, endocrinologia e vascular, entre outros. Só de três anos para cá, com a criação de um centro de atendimento da especialidade pelo seu plano e saúde, voltou a ter tratamento geriátrico, com intervalo de dois a três meses entre as consultas. “Hoje me sinto bem atendido e acolhido; muito mais do que pelos médicos de outras especialidades. O geriatra controla meu peso, pressão, quer saber sobre a qualidade do meu sono, me pede exames e faz testes. Tem mais carinho com o idoso. A minha saúde é cuidada com mais atenção, de maneira global, e não fragmentada.”
Maria de Lourdes Andrade, 72 anos, também reclama da falta de geriatra. “Tive um câncer de mama, tenho bronquite, colesterol alto, problemas no estômago e outros que surgem. Com tanto remédio para tomar ao longo do dia, sinto falta de um médico que entenda bem as necessidades do idoso”, diz. Há alguns anos Maria de Lourdes fazia acompanhamento especializado, mas a médica deixou o convênio. “Ela fazia testes, como de memória. E detectou que eu tinha problema de falta de atenção. Tudo era bem explicadinho. Pena que saiu.” O jeito que encontrou foi frequentar o consultório de um médico que ela nem sabe se é geriatra. Mas, como é atencioso, prefere não trocar.
Segundo a SBGG, há em todo o país cerca de 1.200 especialistas para atender 21 milhões de idosos. Por ano, são titulados cerca de 40 especialistas. A geriatria é relativamente nova no Brasil. O primeiro serviço surgiu na década de 1960, no Hospital do Servidor Público Estadual, em São Paulo, época em que havia no Brasil 3,3 milhões de habitantes com 60 anos ou mais – o correspondente a 4,7% da população. Para completar, a oferta de vagas nas residências médicas também é pequena.
A Unifesp oferece atualmente, em sua residência, 12 vagas, disputadas por médicos de diversos estados. Pode parecer pouco, mas há grandes hospitais universitários que chegam a oferecer duas ou três vagas, como o da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o da Faculdade de Medicina da USP. Para ser geriatra, o médico cursa os seis anos da graduação, mais dois na clínica médica e mais dois em geriatria.
Para Maisa Kairalla, vários fatores explicam a falta desses profissionais em todos os serviços de saúde. O primeiro é a relativa novidade da especialidade no país. “Outro é a falta de interesse por uma área tão artesanal da medicina, com paciente difícil, que solicita muito do clínico”, diz. O gerontologista Rogério Clóvis, do Olhe, acrescenta que faltam políticas públicas e planejamento. Afinal, além de acolher, é função do geriatra cuidar da saúde e prevenir a piora de problemas.
E isso ganha maior dimensão ante a perspectiva de que no Brasil, como em todo mundo, vive-se uma tendência irreversível de envelhecimento da população. Em 2000, 14,5 milhões – 8,5% da população – estavam nessa faixa etária. Em 2010, passou para 10,8% da população, o equivalente a 20,5 milhões de brasileiros, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As estimativas são de que, em 2030, um terço da população brasileira terá 60 anos ou mais.